A discussão começou com mais uma frase infeliz nas redes:
alguém invocava a “realidade bio-cultural dos povos europeus” —
um daqueles chavões pseudo-científicos que servem de verniz para ideias racistas.
E, claro, havia quem aplaudisse.
Respondi. Porque há falácias que, se deixadas sem resposta, tornam-se dogma.
Somos todos africanos
Em bom rigor, somos todos africanos.
Cerca de 99% da população mundial descende de uns milhares de migrantes que saíram de África há dezenas de milénios e povoaram o resto do planeta através do estreito de Behring.
A variabilidade genética fora de África é menor do que dentro do próprio continente.
Traduzindo: uma pessoa nascida na Sibéria é geneticamente mais próxima de outra nascida em Portugal do que dois vizinhos de toda a vida em África.
Não há, portanto, base biológica para distinguir “raças” humanas.
O conceito de “realidade bio-cultural” é pseudociência.
E a cultura?
Se o argumento biológico cai, sobra o cultural.
Mas o que é isso de “ser português”?
Os costumes de um algarvio, moldados pelo mar, ou os de um transmontano, que só o viu nos livros?
A língua? Qual delas — a falada nas ilhas, no Minho, nas comunidades de França ou no Brasil?
Por cada regra que tentem definir, há dez exceções.
A cultura não é essência, é processo, contacto, mistura.
A verdadeira falácia
Sim, existem povos, identidades, memórias partilhadas.
Mas não conformam nenhuma “realidade bio-cultural”.
Termos como esse são muletas ideológicas,
usadas por quem precisa de desculpas para justificar preconceitos.
A biologia não sustenta o racismo.
A cultura tampouco o legitima.
O resto é apenas medo travestido de teoria.