Numa troca de mensagens nas redes sociais, alguém recordava que muitos angolanos se juntaram ao MPLA e a outras forças políticas ao verem quão mais brutal fora a resposta do regime colonial português aos massacres da UPA no norte do país, acrescentando que negar o paralelismo com o que se passa na Palestina é optar por ignorar a realidade.
Logo surgiu a réplica previsível: “Mas tudo começou com os massacres da UPA…” — como se a história se resumisse a um jogo de culpas lineares, ignorando o contexto de séculos de violência que precedeu 1961.
E porque houve massacres da UPA?
Se é pela regra de quem verteu sangue primeiro, milhares de vidas africanas foram literalmente moídas na ocupação tardia do continente após a Conferência de Berlim.
Chamaram-lhe Campanhas de Pacificação. Lembram-se?
Para não falar dos quatrocentos anos anteriores, que não foram paz e amor — nem missão civilizadora — mas séculos de exploração sistemática, de Gana a Futa Djaló, onde a Europa, como sempre, se aplicou a minar os impérios locais até reduzi-los a colónias.
Isto não é uma defesa cega desses impérios, nem dos africanos como ideais puros — eram monarquias absolutas, também violentas e complexas.
Mas o essencial é perceber que a violência europeia não começou em 1961: foi apenas a continuação de um processo muito mais longo, nascido da própria ideia de que o mundo podia ser repartido e administrado.
O problema de Israel e da Palestina é herdeiro dessa mesma lógica.
Não começou ontem: é uma manifestação tardia do colonialismo que moldou o direito internacional — supostamente universal e universalista — e que o Ocidente tem vindo a desmontar, peça por peça, nas últimas décadas.
É penoso assistir ao seu declínio, mas não surpreendente.
A dita ordem mundial nunca se baseou em princípios verdadeiramente universais. Desde o Conselho de Segurança à financeirização da economia, sempre houve mecanismos para preservar o status quo.
Nos anos 70 e 80, matou-se o ímpeto universalista de líderes como Amílcar Cabral e Thomas Sankara, que articularam melhor do que ninguém uma política de cooperação entre povos e de libertação integral.
Cabral não estendeu a mão a todos apenas por estratégia: fê-lo por convicção. Logo na fundação do PAIGC, deixou claro — lutamos contra o colonialismo, não contra os povos.
Por isso foi respeitado tanto no Ocidente como no Pacto de Varsóvia, e tornou-se voz importante entre os Não-Alinhados.
Como disse — universal.
Das poucas coisas que ainda animam é ver tanta gente a redescobrir Cabral.
Falta praticá-lo. A alternativa é a barbárie a que vimos assistindo.